Música brasileira - Diversidade, mistureba e... satanismo
Esses dias o eMusic publicou uma "dozen" - lista temática com 12 discos - sobre música brasileira, feita por Peter Margasak, e batizada de The New Sound of Brazil.
A lista ficou interessante não pelos artistas que selecionou, mas por mostrar a visão que o pessoal de fora tem sobre a nossa música - que é o oposto do que eu esperava.
O texto introdutório diz:
Considerando o que George W. Bush bem comentou, há alguns anos, com o presidente Lula, "Uau, o Brasil é grande.", e baseando-se na música que a grande nação sul-americana exporta - bossa nova e samba - alguém poderia pensar o contrário. Mesmo com estes dois ricos, maravilhosos meta-gêneros musicais, a verdade é que o Brasil é o lar de uma variedade espetacular de estilos e tradições, equiparando-se, ou até ultrapassando, a diversidade musical dos Estados Unidos. A famosa Tropicália - que elevou artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e Os Mutantes ao nível internacional - continua a exercer influência pelo país; o tempo todo, artistas absorvem, trasmutam e colidem todos os tipos de estilos, tanto domésticos quanto estrangeiros.
Além disso, o tamanho do Brasil e seu senso de orgulho lutam ativamente contra o imperialismo cultural; a música americana e européia é popular, mas não apaga a música brasileira das paradas. Enquanto a cultura americana regularmente descarta seu passado, o Brasil abraça-o e adora-o, mesmo quando seus artistas o fatiam e misturam de forma criativa com novos sons e abordagens. Existem incontáveis estilos regionais, ainda bem vivos - entre eles o coco, forró, axé, brega, choro, frevo, mangue beat, pagode, funk carioca e sertanejo - tanto em suas formas puras quanto em iterações pós-modernas. Os brasileiros também conseguiram dar seu toque característico ao hip-hop, jazz, funk e rock, e os melhores músicos acrescentam uma qualidade regional muito distinta às suas criações. Infelizmente, é difícil o não-brasileiro conseguir se orientar pela prolífica cornucópia de lançamentos espetaculares, embora difíceis de achar, que a indústria musical brasileira produz.
Mesmo com lançamentos agradáveis e interessantes no mercado internacional, como Bebel Gilberto, Céu, Cibelle, CSS e Bonde do Rolê, existe muito mais a ser explorado. Em uma viagem que fiz ao Brasil no ano passado, fiquei impressionado ao constatar que havia muito mais acontecendo do que eu esperava - e minhas expectativas já eram altas. Este guia é apenas a ponta do iceberg; a maior parte desta seleção vem de jovens artistas com uma sensibilidade aguçadíssima, mas também estão incluídos alguns da linha mais tradicional e também alguns veteranos que se recusam a deixar sua música ficar no passado. Mas cuidado: quando o bichinho te morder, vai ficar difícil parar de explorar mais e mais.
Confesso que fiquei feliz ao ler tudo isso. Eu não diria que nós "lutamos ativamente contra o imperialismo cultural", nem que temos uma "cornucópia" de lançamentos espetaculares, mas se o pessoal de fora acha que estamos com essa bola toda...
Os doze discos elencados incluem muita coisa regional (principalmente pras bandas de Recife), funk carioca (obviamente) e outras coisinhas. São esses:
- "Cabeça elétrica coração acústico", de Silvério Pessoa
- "Cão", de Rômulo Froes
- "Res Inexplicata Volans", do Apollo Nove
- "Narradores de Javé Remix", do Instituto & DJ Dolores
- "Tocar na banda", de Comadre Fulozinha
- "Sincerely hot", de Domenico + 2
- "Dadi", de Dadi
- "Simples", de Jair Oliveira
- "Lenine", de Lenine
- "E o método túfo de experiências", do Cidadão Instigado
- "Slum Dunk presents Funk carioca", coletânea feita por Tetine.
- "Futura", da Nação Zumbi
Essa lista é uma vergonha. Vergonha pra mim, que só conheço um dos doze discos: o da Nação Zumbi. Confesso que meu gosto e minhas explorações musicais sempre passaram longe do Brasil, acho que mais por hábito do que por preconceito. Tanto que comecei a querer corrigir esta falha e descobrir coisas boas, do lado alternativo, aqui na terrinha. E a melhor das minhas descobertas foi o Satanique Samba Trio.

O trio em um culto satânico (vulgo "jam session")
SST foi a novidade brasileira mais genial que já ouvi. O som dos caras (que são quatro, e não três) só pode ser descrito como sendo um encontro do Primus com a gafieira; uma soma de jazz moderno com samba de roda que, no fim, dá algo parecido com um chorinho errado.
A habilidade deles é a de cuidadosamente destruir o fluxo original dos ritmos brasileiros. Digo "cuidadosamente" porque, no meio da bagunça toda, o cavaquinho soa bem, o pandeiro soa bem, tudo soa bem, como um bando de instrumentos bem tocados, mas em pânico. O esmero técnico só faz melhorar algo que, com uma premissa genial dessas, tinha tudo pra dar certo por si só.
O trio tem dois lançamentos, Misantropicalia (disponível no eMusic) e Sangrou (disponível no site da gravadora). Ouça algumas músicas do "Sangrou" no MySpace dos caras.